Fazer parte e Ser inteiro: sobre como pertencemos à nossa família

No estudo da Terapia Familiar, “pertencer” pode ser visto como um sentimento, não somente como algo que é reconhecido através de laços de sangue, parcerias ou matrimônios. Sentimento esse que parte do nosso íntimo e se desenvolve nos relacionamentos. Indo um pouco mais a fundo, pode-se refletir acerca de como o pertencimento nos faz sentir sobre quem somos, ou ainda, sobre quem gostaríamos de ser. Será que uma coisa pode atrapalhar a outra? 




Talvez a resposta esteja na compreensão das crenças que aprendemos e co-criamos em nossas famílias. Já que, muitas vezes, nossas crenças familiares podem estar em conflito com sonhos e perspectivas individuais.
O que acontece quando queremos seguir um caminho diferente daquele que nos foi apresentado no seio familiar? Ou ainda, quando o tal “caminho diferente” é visto como uma afronta? Teríamos então de decidir entre “fazer parte” e “ser inteiro”? 
Dentre muitas das crenças que aprendemos, podemos ter ouvido - ou simplesmente aprendido - que a independência acontece com o rompimento, com o não precisar do outro, seja financeiramente ou mesmo emocionalmente. Porém, essa lógica nem sempre está em harmonia com o que sentimos. Podemos nos descobrir tristes e magoados com situações do tipo, e, insistir em racionalizar o que estamos sentindo, dificilmente nos trará as soluções que buscamos.
Muitas vezes em consultório escuto a frase “quero deixar de sentir isso”. Uma guerra interna travada entre o que acreditamos que devemos fazer e o que acabamos fazendo.
Terapeuticamente, podemos começar a visitar a ideia de que “fazer parte” não é o mesmo de “ser dependente”. Saber cuidar de si quando necessário e ser capaz de tomar decisões de vida minimamente saudáveis não exclui nossa necessidade de conexão com o outro. 
Vale refletir ainda sobre como, muitas vezes, ao supostamente rompermos com a família (ou outros relacionamentos importantes) acabamos por buscar (ou simplesmente encontrar) outras pessoas com as quais nos relacionamos de forma dependente, seja emocionalmente ou, algumas vezes, até mesmo financeiramente. Alguém do lado de fora de um sistema familiar que rejeita o que você está apresentando como seu, como individual. Alguém que finalmente te aceite e vá suprir necessidades básicas que ficaram não atendidas. 
Dessa forma, podemos pensar em diferentes fases das nossas vidas e em como nos desenvolvemos de forma individual e relacional através delas. Por exemplo, enquanto crianças nossa prioridade na família sempre será de se conectar e se manter seguramente dependente dos que podem nos nutrir e cuidar; Já enquanto adolescentes, nossa tendência é de buscar autonomia e individualidade, o que muitas vezes pode trazer conflitos com as expectativas do sistema familiar. Mas, e enquanto adultos? Estaríamos “presos” em alguma dessas dinâmicas? 
Sentir-se parte pode também fazer parte de ser por inteiro, e mais ainda, de sentir-se verdadeiramente dono de si. Pois assim, adentramos o mundo das relações, e dos tantos papéis que temos que cumprir, mostrando nossa cara, nossos sentimentos e aspirações. Buscando formas de se ser que respeitem o outro e nos permitem exercitar a conexão e a empatia. 
Se tornar adulto nos exije certa dose de reflexão e autoconhecimento, para  que possamos - finalmente - tomar consciência de atitudes, sentimentos e relações que são nocivas ao nosso crescimento e florescimento pessoal.
Crescer e “ir pro mundo” é levar consigo aprendizados, sentimentos, crenças, expectativas e perspectivas que desenvolvemos ao longo das nossas vidas através dos relacionamentos mais significativos. Tomar consciência de como nossa família funciona é também uma forma de autoconhecimento, possibilitando assim maneiras de transformar-se individualmente, entendendo a ligação entre a sua individualidade e o mundo que fazemos parte.

Com amor,
Renata.

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